Renato Muniz Barretto de Carvalho
O mundo sempre mudou desde que é mundo, e vai continuar
mudando sempre. Eis aí uma constatação óbvia que, no entanto, não nos livra da
obrigação de perceber e estudar estas mudanças e seus reflexos na vida humana.
A segunda metade do século XX foi pródiga em mudanças. Mudanças geopolíticas
importantes, além de outras, de paradigmas, que nos orientaram na busca de
novos modelos e de respostas para os novos problemas que surgiram.
A economia mundial expandiu-se de forma fantástica no século
XX. Esta expansão ocorreu de forma muito desigual, afetando países e povos de
maneira positiva ou negativa em circunstâncias díspares e contraditórias,
trazendo impactos significativos para a vida das pessoas. A indústria
desenvolveu novos materiais, processos e produtos sem os quais não se sabe se a
humanidade conseguiria viver da forma como vive hoje. Entre eles estão os
automóveis, a aviação, a informática, as telecomunicações e o plástico. Ao lado
do grande progresso representado por tudo isso, se agravou a poluição e o que
ficou conhecido como o custo social e ambiental do progresso. Se a produção e o
avanço técnico aumentaram numa rapidez incalculável em relação aos padrões do
século XIX, o acúmulo de lixo no planeta torna-se um dos principais desafios no
começo do século XXI. Oceanógrafos e outros estudiosos dos oceanos fizeram
advertências graves sobre as condições de poluição dos mares, contaminados com
toneladas de material plástico e outros poluentes, nem sempre visíveis. Até o
século XIX, o lixo produzido era basicamente lixo biodegradável, hoje não.
Esta situação de degradação afeta principalmente as águas,
bem imprescindível ao ser humano. Talvez a idéia de ciclo fechado presente no
ciclo hidrológico tenha contribuído para se tratar a água com descaso. Além disso,
a água é um solvente por excelência. Há quem diga que o planeta devesse ser
chamado de planeta água devido à sua abundância na superfície terrestre.
Das mudanças que os últimos 20 anos trouxeram, uma delas
refere-se às nossas concepções e práticas a respeito do uso da água. Existem
aqueles que já falam na guerra da água como uma das tensões geopolíticas
contemporâneas. Conflitos que já estariam ocorrendo, por exemplo, na África e
no sudeste asiático. Uma antiga certeza se confirma: a água é um direito de
todos.
Da água consumida no Brasil, uma parte é usada no
abastecimento urbano residencial, outro tanto na indústria e uma grande parte
na irrigação. Como se percebe, para que o setor agropecuário continue
crescendo, a água é fundamental. Algumas estimativas dizem que um tomate
necessita de 30 litros de água, um litro de leite precisa de 4 litros de água,
e um quilo de carne consome 16 mil litros. Se a água é constante na superfície
terrestre, temos de perceber, no entanto, que sua demanda cresce desproporcional
em relação à capacidade de usá-la racionalmente, de garantir um aproveitamento
de modo a não causar desperdício. Duas questões se colocam de forma
preocupante: o seu aproveitamento racional e sua qualidade. De nada adianta a
existência de água poluída, nem a fúria destruidora das águas que descem
violentas, arrasando barrancos, arrancando árvores, isso para não falar de
casas, pontes e plantações.
A água não vai acabar, mas cuidar dela é urgente. Seu uso
sustentável significa conhecer melhor suas características, os efeitos das
atividades econômicas sobre sua disponibilidade e sua qualidade, a correta
administração dos mananciais e uma distribuição eqüitativa e justa. Significa
também tratar o esgoto urbano e industrial e os dejetos oriundos da atividade
agropecuária.
Renato Muniz Barretto é geógrafo, professor universitário, coordenador do Curso de Engenharia Ambiental da Faculdade de Talentos Humanos (FACTHUS) e escritor. Artigo publicado também no Jornal Gestão Responsável, Ano III, nº 09, 2012.